Certa vez, conversando com um velho sacerdote e folheando um livro que ele me emprestara encontrei um recorte de jornal que continha este texto.
É um texto impactante. E o velho sacerdote me contava que este texto marcou profundamente sua vida.
Partilho com vocês, leitores de O Cenáculo, o texto do Dr. José Del Fraro Filho:
A indiferença é uma das mais poderosas armas humanas. Podemos ser indiferentes com o outro, com o nosso próprio ser e com o social como um todo. Ela é o desejo mais proibido por pretender aniquilar todos os outros desejos. É preferível ser odiado, até perceber as veias túrgidas e o rosto vermelho do semelhante, a vivenciar sua indiferença encarada em face “plácida” e longínqua. É o sentimento que mais se aproxima da morte. Sinal de entraves ao pulsar do viver. Encarnação de anonimato e não-reconhecimento do outro. A indiferença é uma silenciosa arma a gerar geleiras, avalanches, suplícios mudos.
A indiferença não é sinônimo de desconhecimento como ocorre nas grandes ruas das megalópoles, onde se passa pelas pessoas e estas, por estarem diante de um estranho, deixam apenas um leve sopro de vento bater em seus corpos e um barulho estalado de sapato se atritando no cimento das calçadas. Nisso tudo há vida. Há o barulho do sapato nas calçadas, há o cansaço por mais um dia de trabalho, há a cumplicidade de se viver naquele mesmo lugar e, até mesmo, a possibilidade de ser iniciada uma conversa, um gesto solidário, um assalto ou o assalto de um amor. Na indiferença, nada disso há, É o assalto do não assalto. Gosto de asfalto na boca, o vento sem sonoridades. Ela é o “pós” disso tudo. Vem depois de todas as chances de vida estarem quase findas. Proibição de amor e ódio.
Ela é o anti-sentimento dos sentimentos ou o sentimento, aprisionado ou prisioneiro de todos os outros. Quase coisa coisificando… A indiferença é gelada e muda. Não-musical. E queima, endurece, pesa, obstaculiza, separa. É fogo tentando queimar suas próprias cinzas. E só após ter vivido em si e em sua mais fina carne, a balbúrdia do amor e do ódio, é que se pode alcançá-la como elemento neutro de vida-morte.
Quarta-feira de Cinzas após um carnaval de sentimentos que já se presentificam mesmo antes de nosso biológico nascimento. E não se nasce indiferente. Nascer é muito empolgante e doloroso para que essa resposta apareça. É no viver, no desenrolar da roliça esteira da vida, com seus sonhos, possibilidades, entregas e descaminhos, que ela sobrevém. Há uma preparação em forma de percurso, caminhos tortuosos de doçuras e decepções, para que a coisa se manifeste, funil indo ao encontro de areias movediças.
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